
Liberdade para comunicar o que?
24 de jun de 2024
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O Papa não é puffer...
Nesses tempos de inteligência artificial, surgiram desafios enormes para se lidar com essas novas formas de criar conteúdo.
Sempre que são lançados novos mecanismos que interferem diretamente nas formas de se comunicar no cotidiano das pessoas, surgem os impactos imprevisíveis e, por vezes, podem até ser perigosos. Nesse contexto, basta surgirem as críticas e, rapidamente, emergem as defesas imediatas da chamada liberdade de expressão, em especial, nas sociedades formadas por regimes democráticos e estados de direito, em alguma medida, estruturados. No entanto, essa impressionante forma de criar ou recriar personas (chamadas de IAs) a partir de bases existentes, surge, ao que parece, como um horizonte caótico.
O que dizer da imagem do Papa vestindo um casaco fashion e que gerou grande polêmica devido à ingenuidade das pessoas que se tornam presas fáceis dessa malandragem digital. No centro do debate, para quem já está familiarizado com as nomenclaturas técnicas, está o midjourney, criação de algoritmos que produzem, a partir de textos, imagens de outras realidades e que foi utilizado para manipular a imagem do atual pontífice. Mas, qual responsabilidade poderá ser atribuída à ferramenta tecnológica pela barbaridade que se fez com figura desse ícone religioso dos nossos tempos, o Papa Francisco? Respostas para esses questionamentos, serão sempre muito complexas e, obviamente, não se tem a pretensão de esgotar o tema nessas poucas linhas. Teremos que observar, primeiramente, as sutilezas e contrastes que o autor da postagem planejou para conquistar audiência e atrair a atenção da massa; esse sim, o responsável direto pela façanha. Essa fake News postada para conquistar seguidores, levou a erro muitos desavisados e, até gente experiente, que acabaram compartilhando essa farsa. Mas, por que o Papa? O contraste entre um homem de vida simples dedicada aos pobres e o uso de uma vestimenta caríssima, é muito provável, deve ter imaginado o meliante, que geraria grande impacto junto aos religiosos e outros, visto que, representaria uma contradição intransponível de um defensor dos pobres. O autor do post, provavelmente, fez esse material com essa intencionalidade para gerar polêmica e conquistar espaço, sabe-se lá com qual finalidade para além da mera ampliação de audiência. A questão é que: ao falsear uma imagem, esse autor, comete claramente um crime, e, isso, é patente. E agora? Quais mecanismos legais poderão ser utilizados? quem protege quem? por enquanto, é difícil saber.
Já tratei desse tema em outra oportunidade e, ainda que, metaforicamente, pode-se dizer que agora o “caos” está instalado e, se nem o Papa escapa, imaginem os demais mortais. Mas, por que razão seria lícito observar esse fenômeno pelo horizonte caótico de seus resultados. Numa rápida reflexão, pela falta de tempo hábil para se preparar o conjunto da sociedade para esses novos formatos comunicacionais. Conforme já se sabe, a velocidade imposta pelos chamados saltos tecnológicos contemporâneos, que já mencionamos em outro artigo, gera um descompasso nas relações sociais que dificilmente conseguirá acompanhar essa dinâmica.
Já citamos o exemplo da fotografia que levou aproximadamente cem anos para se consolidar até surgir o digital e modificar toda a cena estrutural com a sua destruição criativa. Nesse pequeno recorte histórico, parece claro, que houve tempo para que os agentes envolvidos se preparassem para a nova realidade. Apesar do grande prejuízo para os que se descuidaram dos “efeitos colaterais” dessas mudanças, principalmente, no mundo empresarial e na cadeia produtiva desse segmento de mercado, ainda foi possível absorver seus efeitos. Atualmente, os saltos tecnológicos são muito curtos não permitindo nenhum preparo expondo a população a toda sorte de resultados negativos.
Além da velocidade, ainda que pareça desconexo o que mencionaremos a seguir, há um outro horizonte fenomenológico que poderíamos utilizar para estabelecer analogias. Quando o avião foi inventado, seu criador jamais imaginaria que essa fantástica forma de encurtar distâncias e agilizar a vida moderna, seria utilizado também para espalhar bombas ou explodir edifícios americanos entre tantos outros desastres. Infelizmente, a estupidez existente na natureza humana também fez aparecer o uso desse engenhoso invento para matar e ampliar o poder bélico. Quando se inventa algo fantástico como o avião, a criação em si, representou uma grande conquista para a humanidade. Entretanto, o uso que se fez ou faz desses inventos, não escapa da ânsia por poder e da ganância; outras características existentes na natureza humana que, quando combinadas com a desagregação da sociedade e baixa qualidade educacional, poder-se-á inferir que o caos é quase inevitável.
Mesmo com esse cenário que, a princípio, parece caótico, a inovação por meio de IAs, de per si, não é boa nem mal; é mais uma ferramenta possível a serviço da criação humana. A questão que se coloca é: qual o uso que se faz ou se fará dessa ferramenta tecnológica? Como ela pode representar avanços e não retrocessos? No caso da fake news do Papa, por certo, não cabe nem sequer mencionar a defesa da liberdade de expressão, posto que, o uso indevido de imagem é um crime. Nesse caso, essa liberdade é para comunicar o que para o conjunto da sociedade? Ao nosso ver, foi claramente um uso criminoso que poderá acarretará prejuízos para a imagem do pontífice. Para casos assim, que o rigor da lei no limite do possível, seja aplicado.
Entre tantos outros problemas existentes nos cenários político, econômico e social, esse, é mais um fenômeno que desafia as democracias modernas e, obviamente, não houve tempo para que os Estados nacionais se preparassem, nem legal, nem tecnicamente para proteger os cidadãos dos usos indevidos desses mecanismos engenhosos. A velocidade dos saltos tecnológicos torna quase intransponível essa barreira para que a grande maioria da população consiga escapar das armadilhas dos usos criminosos dessas formas de gerar conteúdo por meio das inteligências artificiais.
Será que teremos saída possível para esses impasses?... enquanto não conseguimos respostas, penso que, quem trabalha sério com comunicação e marketing, precisa se engajar na formatação de modelos que ajudem a minimizar o caos; parece óbvio, que o Papa não é adepto da tendência puffer... e, quem fez isso com a sua imagem, além de prejudicar o trabalho de quem só propaga o amor e o cuidado com o próximo, ainda poderá atrair uma legião de gente que vai trabalhar para fechar as portas para essas ferramentas por meio de regulações. Seria mais inteligente, nos parece, se essas energias criativas fossem canalizadas para gerar novos negócios e oportunidades, mas, aí, é exigir muito dessas desinteligências naturais que estão em todos os cantos do planeta...
